quinta-feira, setembro 17, 2009

RANT

Em breve, o prequel da minha novela.

sábado, agosto 15, 2009

LOLLAPALOOZA 2009 - DIA II

Não fiz questão de chegar cedo no sábado. A chuva de sexta deu lugar a um sol e calor arrasadores e eu só queria mesmo ver o Atmosphere mais cedo, às 14:30. Até lá, compras na Quimby's, melhor livraria da cidade, e na Reckless Records. Cheguei bem na hora em que Slug e Ant entravam no palco, pra uma platéia bem maior do que a de sexta, resultado do tempo bom. Admito que o álbum novo deles é inferior ao meu preferido, "You Can't Imagine How Much Fun We're Having", mas este acabou sendo preterido no show, que concentrou os esforços principalmente no "God Loves Ugly", com algumas do álbum novo e do "Seven's Travels". Slug é um dos melhores rappers do mundo hip-hop indie. Quem não ouviu os dois álbuns dele com o Murs (o projeto "Felt"), corra atrás. Um bom exemplo é a ótima Early Mornin' Tony, do "Tribute to Lisa Bonet". O álbum novo tenta introduzir uma outra instrumentação ao vivo, em vez de samplers, mas o show mostra mais potência em músicas como "One Of a Kind" e "Modern Man's Hustle" do que nas novas. Ponto pro Slug, que conseguiu com seu carisma e habilidade levantar o público por uma hora sem precisar de quase nenhum recurso barato de interação, como os mencionados por mim no primeiro dia do festival. E ainda fecha com a viajandona pra cima "Sunshine", de um EP anterior.

Logo depois foi a vez do meu terceiro show do Gomez. Acho que eles são a banda inglesa mais americanizada de todas. O blues rock com elementos modernos da banda agrada a gregos e troianos. Abriram com o hit "Shot Shot" e emendaram com uma do álbum novo. Ainda teve "Love is better Than a warm Trombone", única do primeiro álbum, "Ruff Stuff", também do "In Your Gun", "Silence", de 2006, e algumas do álbum novo. Teve cover de "Bron-Y-Aur-Stomp", do Led Zeppelin, mas eu juro que não ouvi nenhuma do "Liquid Skin". Pena. Mas 12 músicas pra uma banda que já tem uns 5 ou 6 álbuns é sempre pouco.



Atmosphere



Gomez

De volta ao palco principal pra conferir a banda preferida de uma querida amiga. Mas não aguentei por muito tempo. O Coheed and Cambria soa exatamente como se o Rush fosse mais metal e tivesse um baterista ruim. Uma passadinha no palco menor pra ver por que falam tanto do No Age. Cinco minutos e percebi que neguinho deve estar louco. Uma banda que precisa melhorar muito pra ser considerada uma merda. Barulheira horrorosa, um insulto às boas bandas de garagem. Saí logo: a primeira ida ao Northpalooza pra tentar dar mais uma chance à Santigold, que vi no ano passado no Leeds e não gostei. Mas a multidão que lotava o palco Playstation não deixou ninguém chegar mais perto, ainda mais que a disposição da platéia era em forma de anfiteatro. Resignei-me a ficar ouvindo mais de longe. Parecia mais animado do que o anterior e ainda teve cover de "Killing An Arab", do Cure, mas ficou mesmo impossível de dizer. O álbum continua um petardo, entretanto.



Coheed And Cambria



Arquitetura de Chicago vista do Grant Park

Toca pro palco Citi, que a atração do dia estava pra subir: Lykke Li. Eu adoro essa menina desde que ouvi "I'm Good, I'm Gone" pela primeira vez, no ano passado. O show do APW foi ao mesmo tempo introspectivo e sacolejante, em momentos bem definidos. Este não foi diferente. A sueca sabe o que faz no palco, com sua voz ora fofa como uma menininha, ora grave e sexy como uma atriz pornô, suas dancinhas bizarras, sua roupa preta recatada demais pro seu sex-appeal, mas que de vez em quando deixava escapar uma coxa aqui, uma barriguinha lá. Empunhando uma baqueta com que socava ferozmente um prato de bateria colocado só pra ela ou um megafone, ela teve a platéia nas mãos, no hit supramencionado, em "Little Bit" e em "Breaking It Up", que começou com uma pequena cover de "A Milli", do Lil' Wayne, uma das melhores músicas do ano passado. Jóia.



Lykke Li

O dia encerrou pra mim com mais um espetáculo do Tool. Digo isto porque é a única definição possível pra um show da banda. Os telões apresentavam imagens selecionadas de acordo com as músicas, várias vindas dos clipes perturbadores da banda, que desde o "Lateralus" vêm sendo lançados em DVD's independentes. A banda tocava as músicas em versões ao vivo pouco diferentes do estúdio, alternando as imagens dos telões com um mis-en-scène de luzes, fumaça e um telão fixo no palco com outras imagens. O vocalista Maynard James Keenan cantou o tempo quase todo em silhueta no fundo, ora com suas roupas espalhafatosas, ora sem camisa e descalço, com um megafone pendurado na cintura, enquanto os outros integrantes vestiam roupas brancas como uniformes. Um verdadeiro teatro, do princípio ao fim, impecavelmente ensaiado. Uma experiência sensacional para os fãs e até para aqueles que, mesmo não conhecendo, apreciam seu metal cabeça e semi-progressivo, as composições intrincadas, riffs e batidas quebradas, letras sombrias e duração de 7 minutos pra cada canção. Do começo, com "Jambi", ao fim, com "Vicarious", ambas do álbum "10.000 days", de 2006 e o mais recente, que chegou a ganhar o Grammy de melhor embalagem de álbum (sim, isso mesmo), nove músicas, mais de uma hora e 10 de show, exatamente o mesmo setlist e ordem que vi no APW, mais uma prova de que é mesmo um espetáculo teatral. Meu preferido ainda é o "Lateralus", do qual "Schism" e a faixa-título também rolaram. Fui embora feliz.



Tool

terça-feira, agosto 11, 2009

LOLLAPALOOZA 2009 - DIA I

O tempo bom que fazia na minha chegada à cidade foi embora na sexta, e veio a chuva. Incessante. Irritante. Implacável. Depois de quase estragar minha diversão em NYC, desta vez ela não me pegou de surpresa. Não é moleza passar o dia com capa de chuva, mas ao menos não fiquei ensopado. E pude curtir meu primeiro Lollapalooza. Sempre foi um festival icônico pra mim, desde meus 20 anos. Minhas bandas prediletas em cada época tocaram lá (aqui), os bootlegs mais legais de se encontrar em tempos pré-internet eram do festival e foi nele que a "nação alternativa", expressão então cunhada pelo próprio Perry Farrell, patrono do festival e líder do Jane's Addiction, que criava o Lolla para a despedida da banda, se mostrou lucrativa, incorporando-se ao mainstream e inaugurando uma era de festivais itinerantes nos EUA, mesmo que já não mais o seja, uma vez que não sai de Chicago.

Com o cancelamento do show dos Beastie Boys, devido ao câncer de garganta do MCA, meu entusiasmo meio que brochou como uma bola de gás furada, mas pelo menos sobrou o Depeche Mode pra salvar a pátria. E ainda daria a oportunidade de ver o Tool mais uma vez, já que Yeah Yeah Yeahs ao vivo é uma bosta. O show dos B-Boys no Congress Theater um dia antes também havia sido cancelado, logo, tive a tarde de quinta livre pra aproveitar a cidade. O que não foi em vão, já que teve show de graça na loja da Apple no final de tarde. Chairlift e Passion Pit, para os primeiros 300 com pulseiras. Peguei a minha e fui dar uma volta na Barnes & Noble. Foi bom pra anotar de comprar depois o aparentemente impagável "I Hope They Serve Beer In Hell", de Tucker Max, e uns dois Moleskines pra tomar notas da viagem na Rota 66.

De volta à Apple para o primeiro show, do Chairlift. No All Points West, festival a que também fui em NYC, o som deles cresceu e envolveu o público. Gosto das melodias, especialmente da fofa "Bruises", mas dentro da loja a potência deles minguou. Parecia música de elevador. Nem mesmo a cover de "Sensual Seduction", do Snoop Dogg, serviu pra levantar o público. Deu vontade de chamar o garçom e pedir uma picanha mal-passada. Mal sabia eu que não ouviria aquela música de novo. Já o Passion Pit foi outra coisa. O apelo quase emo dos vocais, aliado a um som que fazia tremer os IPods pendurados nos stands ao longo da sala, levou o público ao delírio, que cantou em uníssono músicas como "Sleepyhead" e "The Reeling". Seria um show imperdível para o domingo no Lolla.

Passion Pit na Apple Store


O melhor do Lolla é que o Grant Park fica bem no centro de Chicago, logo, além da vista maravilhosa da arquitetura premiada da cidade, é fácil de chegar, tem metrô ao lado e ainda podemos nos dar ao luxo de dar uma saída do festival pra comer melhor na Michigan Ave. Vendo o mapa, eu achava que seria impossível se deslocar de um extremo do festival ao outro, pra alternar entre palcos, já que o parque dividiu-se em Norte e Sul. Mas felizmente a maior parte das atrações que eu queria estava concentrada no Southpalooza. E do palco maior para os dois menores era um simples pulo. Prático, porém frequentemente o som vazava de um palco pro outro. Para minimizar esse problema, os shows entre o Chicago 2016 (o maior) e o Vitamin Stage (o médio), de frente um pro outro, foram intercalados. Ir ao Northpalooza já era outra história, papo de 15 minutos de caminhada, mais trânsito do público. Isso influiu decisivamente em certas escolhas, e abandonei por completo a idéia de pegar 10 ou 15 minutos de alguma banda. Mas vamos aos shows.

O primeiro show de sexta já foi de cara uma grata surpresa: a banda local Hey Champ. Descobertos e apadrinhados pelo rapper Lupe Fiasco, fazem uma mistura de rock e eletro como deve ser: dançante, com batidas quebradas (e baterista de verdade) e moderna, apesar de calcada nos anos 80. O single "Cold Dust Girl" já é bombado nas pistas americanas, mas nem de longe é a melhor do repertório. Boa introdução pra esquecer a chuva e ver os rappers do The Knux. Eu já gostava de "Cappuccino", mas confesso que o álbum não me agradou muito. Os caras têm enfrentado problemas de credibilidade, algo muito significativo no mundo do hip-hop. Apesar de usarem guitarras em algumas músicas, como em "Fire", não consigo ver nada ali de realmente original. Existem vários clichês em shows de rap, como os famosos "put yo' hands in the air", "make some noise" e "when I say Oh, you say Shit! Oh! Shit! Oh! Shit!", por exemplo. O Knux abusa incrivelmente destes truques pra levantar a platéia, como um monte de rappers ao vivo, mas no final não sobra muita coisa de real talento. A habilidade deles é escassa, as batidas são fracas e sequer dá vontade de levantar a mão e balançar. Uma passadinha no Vitamin e deu ainda pra pegar as últimas duas músicas do Black Joe Lewis & The Honeybears, uma divertida banda de soul rock, com três nerds de óculos na cozinha e um vocalista que mais parecia um daqueles caras que pedem trocado na rua com um copo de papel. Vou tentar ver melhor no Outside Lands, no fim do mês.


Hey Champ


The Knux


Black Joe Lewis & The Honeybears


O Amazing Baby, que veio depois no palco Citi (o menor), é uma das bandinhas mais adoradas pelos hipsters nova-iorquinos, não só por serem amiguinhos do pessoal do MGMT, mas por fazerem aquele som psicodélico tão em voga no momento. Ainda bem então que eles fogem da hippiezada anos 60 e fazem ligação com o glam dos anos 70, especialmente Roxy Music, com um leve toque de shoegazer. Mais Stones (circa "Their Satanic...") do que Stone Roses, mas com vocais firmes em vez de preguiçosos, a música deles mostra ter mais poder de evoluir do que os camaradas do Management, porque o efeito da maconha uma hora passa.

Amazing Baby


Bandas que possuem raízes demais no rock tipicamente americano ou mergulham no country/folk ou navegam pelo blues. Dos primeiros eu abro mão, logo, não me venham falar de Neil Young, Patti Smith e congêneres. Daí a não ver muita graça no Heartless Bastards, a que fui assistir depois e fica no meio-termo entre os gêneros. Apesar de virem de Ohio e terem ligações íntimas com o Black Keys, nem de longe chega àquele blues sujo e potente. Quinze minutos daquela ladainha caipira e já deu no saco. Não quer dizer que sejam ruins, só não é a minha praia. Preferi ir curtir o som dos novaiorquinos do The Virgins. Na mesma linha de Strokes e uns 8 anos atrasados, ainda assim têm refrões pegajosos e energia punk o suficiente pra uma sobrevida maior no meio. Curti.


Heartless Bastards


The Virgins

A chuva continuava caindo, então fui passar o tempo vendo um pouco do instrumental do Sound Tribe Sector 9 (STS9) no palco principal. Definido como a maior jam band de todas, a mistura de eletrônico com dub, jazz, rock, funk e mais alguns ritmos caía bem como música de fundo, mas eu não conseguia desgrudar o olho da loira rebolando à minha frente com um bambolê. Corpo perfeito, calça comprida de cintura baixa, top justinho, a batida hipnótica da música e o movimento cadenciado da cintura da menina me fizeram abstrair do tempo e do espaço. Saindo do transe depois de alguns minutos, fui conferir o Asher Roth. Consagrado por ter feito um dos álbuns de hip-hop mais festeiros do ano, este rapper branquelo de classe média não tenta ser durão, não tenta ser malandro, é apenas o moleque da faculdade que conhece as melhores festas e quer se divertir com os amigos, fumar maconha e beber muita cerveja, ao lado das cheerleaders. E é sobre isso que ele compõe. Aliado ao descompromisso, uma boa habilidade como rapper, bons produtores e parceria e respeito de gente como Cee-lo (Gnarls Barkley) e DJ Drama. Comparações com Eminem o próprio Asher desfaz em uma música do álbum, que é melhor do que o novo do Marshall Mathers. Ao vivo, também é pura festa. O hit "I Love College" (que sampleia "Say It Ain't So", do Weezer) e outras como "Blunt Cruisin'" levantam o público que se espreme no palco Citi. O problema está justamente no público. Com tais músicas, ele atinge os frat boys e patricinhas, galera geralmente sem noção e que só quer putaria, ao invés dos fãs de hip-hop. Daí ele utilizar todos aqueles clichês de que o Knux se esbaldou. A diferença aqui é que o rapaz tem talento e vocais pra isso. O resultado é satisfatório, mesmo com gritos de "Boobies!!"

STS9 e a chuva incessante


Asher Roth


Uma saída pra um café decente na Michigan Ave. e, no momento em que a chuva dá uma trégua, volto a tempo do show do Of Montreal. Kevin Barnes e cia. são famosos por fazerem um verdadeiro carnaval no palco, com alegorias mil e gente de toda sorte passeando fantasiada. Não é diferente desta vez. De alguma maneira o cenário do dia me lembrava demais Bowie na época do Ziggy Stardust. As fantasias da banda, idem. Em meio a músicas que colocavam Beatles, psicodelia e eletro no mesmo saco, como "Id Engager" e "For Our Elegant Caste", aliens e ninjas passeando no palco, Kevin anuncia uma cover de "Moonage Daydream" do Bowie. Ha, sabia!! Ótimo show, de qualquer forma.


Of Montreal

Mais encenações e eu saio direto pro palco principal em frente, tentando pegar um lugar melhor pro Depeche Mode. Que eu não vou resenhar agora, pois seria uma injustiça eu falar deste antes do que presenciei no Madison Square Garden na segunda passada e que me causou muito mais emoção. Como o setlist foi basicamente o mesmo, com quatro músicas a menos (Little Soul, Master and Servant, Strangelove e Waiting For The Night), basta dizer que foi com a mesma energia e dedicação, pra mim o melhor show do Lollapalooza 2009, de que vocês podem conferir um momento logo abaixo:



terça-feira, dezembro 02, 2008

MALLU É O CACETE

Transitando por Copa hoje, de dentro do ônibus, avistei na parede de um prédio na esquina da Princesa Isabel com Barata Ribeiro um outdoor enorme com uma propaganda da Motorola (ou Vivo) com a Mallu Magalhães. Há mais de 3 meses escrevi um texto sobre a razão de não gostar dessa menina para o site do Bacana. Até hoje meu texto não foi utilizado, isso porque tinha sido encomendado. Como não ganhei porra nenhuma para escrevê-lo e as palavras são de minha autoria, utilizo do meu francês fluente para mandar um fodassê e posto aqui o meu texto. Claro, mais ultrapassado do que nunca, já que Sandy casou-se, Mallu resolveu escandalizar meio mundo ao se envolver com um camelo velho e mostrou-se efetivamente retardada mental na mais recente entrevista pra revista Época. Antes que a nossa paciência com o assunto recorrente se vá, ei-lo, finalmente, no ar.


POR QUE EU NÃO GOSTO DE MALLU MAGALHÃES


“Quem?” – pergunta a minha amiga cinéfila, ao meu lado, à menção da incumbência de escrever o presente texto. Tenho que explicar resumidamente o conto da menina de 15 anos, fã de Bob Dylan, que apareceu no MySpace tocando folk e foi parar na capa da Folha, em vinhetas da MTV, propaganda de celular e no Prêmio Multishow, no espaço de seis meses.

Sinal dos tempos que mesmo uma amiga antenada como a minha não tenha ouvido falar do suposto fenômeno pop brasileiro. O excesso de informação consegue efetivamente causar estas distorções, onde pop deixa de ser abreviatura de “popular” e passa a ser um evento localizado, dentro de um universo limitado e, na maior parte das vezes, umbiguista. Assim, entre o playboy lutador de jiu-jitsu da Zona Sul carioca que desconhece as novas bandas preferidas da semana no NME e o integrante do BBB que não sabe quem é Jack Nicholson encontram-se os ignorantes da existência de Mallu Magalhães. Claro, em algum ponto longe de qualquer interseção está gente como os meus pais, que sequer poderiam dizer o que significam siglas como MTV, NME e BBB.

Parte da minha tarefa ingrata, então, de ser o advogado do diabo e tentar enumerar as razões do título, decorre do fato de não ter tido o deleite de me encontrar fora do universo onde Mallu existe. Nessa condição, sou bombardeado de todos os lados pelo tipo mais pegajoso de adulação, geralmente dedicado a recém-nascidos, que não consigo mesmo achar fofos, já que todos têm cara de joelho. E quando a maioria dos elogios bajuladores vem de jornalistas já com tantos anos de estrada quanto de bagagem cultural e notoriedade, eu realmente preciso sentar e procurar com calma o ponto exato onde as pessoas ficaram tão babonas.

É crime no Brasil ser incensado na mídia e mesmo assim permanecer à margem dos parâmetros do mainstream? Claro que não. Já tínhamos o CSS (taí, mais uma sigla pra mamãe e papai) pra demonstrar o contrário. Não é argumento, logo, que se detone a menina porque ela canta em inglês e foi “descoberta” em um site estrangeiro. Não é esse o problema. Eu sou carioca da gema e odeio cachaça, samba, banana e feijão. Longe de mim com esse papo de “brasilidade”.

Mas, alô? Onde exatamente está a revelação do pop nesta menina? Concordo, ela parece fofa e encantadora como toda adolescente tímida com rostinho de criança. Mas não são assim pelo menos 50% das adolescentes de classe média com um pingo de senso de moda? E as músicas, então? Ora, resgate-se a teoria atribuída a Thomas Huxley, dos inúmeros macacos diante de inúmeras máquinas de escrever com potencial de eventualmente escreverem toda a obra de Shakespeare e em cada colégio de cada capital brasileira podem-se encontrar pelo menos 5 Mallus. Neste país, nivela-se tanto por baixo que às vezes parece não existir diferença entre o bem-feito e o fenômeno no mundo da música. O que de cara já é uma tremenda injustiça com gente como Ed Motta, por exemplo, que já era, este sim, um prodígio aos 16 anos.

Não consigo acompanhar esse inconsciente coletivo de fofura e admiração que se desenvolve nas pessoas de bom senso quando elas se deparam com uma aparente exceção ao estereótipo que esperavam encontrar em seu lugar. Assim, o crítico quarentão talvez veja ali a namorada que gostaria de ter tido na sua adolescência sofrida, recluso entre o quarto, onde ouvia bandas de que seus amigos não gostavam, e o banheiro, onde sublimava as frustrações amorosas. Ou a filha que adoraria embalar, ao som de artistas que ela já diz amar de coração, ele mesmo tendo levado décadas pra assumir em público o seu gosto musical. Oportunismo? Sim, talvez, uma necessidade de se ter a versão brasileira da heroína do filme “Juno”, coincidentemente (ou não) contemporâneo a Mallu.

Eu fico sem saber o que pensar dos jovens normais de 15 anos de hoje em dia. Por um lado, olho com muita desconfiança para adolescentes que só gostam de folk, Bob Dylan e Johnny Cash. Eu acho muito mais normal e saudável que eles se pareçam com a Miley Cyrus / Hannah Montana, capaz de fazer um programa infantil em uma semana, deitar no colo do namorado e mostrar o corpo semi-desnudo na outra, pedir desculpas ao público na terceira e voltar a mostrar a lingerie no MySpace na seguinte. Afinal, adolescência pra mim significa “hormônios”. E hormônios, Bob Dylan e Johnny Cash no mesmo encadeamento de idéias é quase doentio.

Por outro lado, e aí talvez se encontre o pior do que tem a mostrar, é essa imagem de menina querendo ser grandinha e criança ao mesmo tempo. Se eu não me engano, as meninas de 15 querem chegar logo aos 18 e fazem o possível pra se comportar como adultas. E se a tal exceção ao lugar-comum que tanto louvam é uma débil mental que vai ao programa do Jô dizer que “adora massinha”, canta refrões como “Tchubaruba” e demonstra ter dois neurônios apenas, com um passando o dia a dizer “calma, vai ficar tudo bem” ao outro, eu peço, por favor, que evitem falar nessa menina na minha presença a partir de agora.

E eu não gosto de folk, daí nem ao menos dar relevância para o tipo de som que MM, ou M&M, ou mesmo Eminem, tudo apropriado a título de produto, oferece. E se fosse para ser maldoso, eu utilizaria como (mau) exemplo gente como o Vinny, que precisou passar por “Heloísa, Mexe a Cadeira” e ser escorraçado pela crítica pra começar a tocar folk baseado em, adivinhem só, Dylan e Cash, segundo o próprio. Um primor de influência.

Nada contra a senhorita Maria Luisa de Arruda Botelho Pereira de Magalhães, esta adolescente com nome de ilustre colunável. Segundo ouvi falar, esta é esperta, um doce de menina, escreve bem e tem vários possíveis futuros promissores. Mas o produto criado por ela ou por quem quer que esteja por trás dela (sem trocadilhos, afinal, a moça é dimenor), a “retardada do folk”, como bem dizem meus amigos, é capaz de se incutir tão negativamente como imbecil no meu inconsciente que se tornará um verdadeiro axioma, assim como, obviamente, mulheres não fazem cocô e Sandy ainda é virgem aos 25 anos.

terça-feira, novembro 11, 2008

FESTA NO QUARTEIRÃO

Eu deveria agradecer aos céus por essa constante afirmação, embora espaçada, de que eu devo continuar vivendo do jeito que vivo, viajando pelo mundo anualmente, enquanto contemporâneos adquirem casa própria, e selecionando destinos pelos festivais de música a que posso comparecer em cada um deles, em detrimento de qualquer outro tipo de planejamento mais abrangente.

Deveria ajoelhar e rezar, principalmente, por ter feito coisas como subido no WTC antes das torres virem ao chão e visto Guided By Voices, At The Drive-In e McClusky ao vivo antes dos respectivos fins. Eu estou certo. Qualquer um que discorde de mim está errado. Simples assim.

Idêntica é a maneira como vejo a música, sinestesia inclusa. Uma canção independe de qualquer critério que não se refira, exclusivamente, ao modo como entra nos meus ouvidos. Vai direto daí ao coração, sequer transita pela razão. Algumas canções, de modo mais intenso do que outras. Mas todas seguem o mesmo trajeto. Da mesma forma, são rejeitadas sem maior análise.

A partir do momento em que me dei conta desse funcionamento, sabia que jamais poderia ser crítico ou jornalista musical. E desprezo a opinião de cada um deles. O que é bom é o que eu gosto, verdade irrefutável e absoluta. Imperfeito aos olhos de muitos, incoerente na opinião de vários, mas verdadeiro e absoluto em mim mesmo, sem a mínima necessidade de conserto ou complementação.

E assim foi a terceira afirmação de 2008. Ela me leva a querer agradecer a um ente superior e forçar uma religiosidade que eu nunca tive, mas é só mais um resultado empírico desta filosofia. Se ela tivesse vindo de outra maneira, eu jamais poderia sentir tamanha alegria e alma lavada ao ter voltado do Circo Voador e presenciado o que foi o melhor show do Bloc Party dentre sete diferentes que conferi, ao todo, entre 2004 e a noite desta segunda.

Lamento profundamente por cada mortal fã da banda, ou que gosta de música da mesma maneira que eu gosto, que não estava presente no caldeirão da Lapa a partir das 23h. E fodam-se de coração os detratores. Mas olhem só, este blog saiu da inatividade.

Set-list:

Hunting For Witches
Positive Tension
Blue Light
Trojan Horse
Song For Clay
Banquet
Letter To My Son
Talons
Mercury
This Modern Love
The Prayer
Like Eating Glass

Primeiro bis:

Ares
Ion Square
Flux
Helicopter

Segundo bis:

Price Of Gas
She's Hearing Voices


terça-feira, agosto 12, 2008

O SOLE MIO

Vejam só vocês, o gondoleiro cantando aqui embaixo do hotel, num dos pequenos canais de Veneza, e eu digitando estas tortas linhas, bebendo um Nero D'Avola, da Sicília, minha melhor descoberta de pseudo-connaisseur aqui, comendo um panino caseiro de grana padano com prosciutto crudo, prestes a rumar ao Café Blue, único bar na cidade com wi-fi, gratuito ainda por cima. Comunicação na região de Veneto não é lá essas coisas, a Internet é caríssima e a oferta é pouca. Talvez pra compensar a beleza a cada ponte e o excesso de turistas. Desde que cheguei, aliás, fico espantado com a quantidade destes. Sei que a época é ingrata, mas chego a duvidar se haverá algum mês do ano em que não infestem lugares como aqui e a Toscana. Já sei, de qualquer forma, que jamais retornarei nos meses entre junho e setembro.

Chego quase ao fim da minha turnê italiana, que amanhã continua em seu destino final, Milão, com passagem em Verona, terra de Romeu e Julieta. O saldo, até agora, é indescritível, entre obras de arte apreciadas a olho nu, paisagens paradisíacas, vinhos sorvidos e iguarias degustadas. Um milhão de anos mais sábio, uns 5 quilos mais gordo e incontestavelmente mais feliz, encontro-me na metade total da minha viagem (exatos 15 dias) um homem plenamente ciente de seu destino, conhecer o mundo, e bem mais seletivo em relação a várias coisas. Entre as mais banais, acho que jamais conseguirei comer uma lasanha de novo no Brasil. Ou um panino. Ou um spaghetti alla carbonara. Queria ter podido atualizar isto aqui melhor, mas é um trabalho hercúleo apreciar tudo e contar ao mesmo tempo com a rapidez da rede pra fazer upload das fotos e ter tempo e disposição pra colocar descrições em cada uma delas. Aos poucos vai, calma.

Enquanto isso, posto aqui embaixo o roteiro do segundo dia de viagem, ainda em Roma, aguardando que em Milão eu consiga postar bem mais antes de deixar o país. Eis, então, o diario de bordo:

ROMA - 29/07/2008

Deve ser difícil tentar criar uma metrópole numa cidade histórica onde as gerações vêm se auto-predando à guisa de progresso. Assim, quem está no poder quer impor sua própria idéia de renovação ao pé da letra: jogue-se fora o velho, reconstruamos tudo. Ou melhor, construamos em cima. Assim, quase tudo o que não sobrou em Roma a olhos vistos foi sendo descoberto em escavações e assim continua.

O metrô em Roma não é pequeno à toa. A cada buraco que se abre, o risco de se encontrar artefatos ou mesmo partes inteiras de civilizações antigas é grande. A linha C, ainda em fase de construção, pretende integrar as duas experiências, andar de metrô e admirar antiguidades e ruínas, através de vidraças nos carros. Assisti a um filme interessantíssimo no Museu Capitolini sobre as escavações do Forum Imperial, no começo do séc.XX. Dezenas de prédios e casas desapropriadas pelo Governo para demolição e escavação da área para descobrimento dos fóruns de Trajano, César, Nerva e Augusto.

Mas, como eu disse no primeiro parágrafo, essa noção da importância de se descobrir o passado e preservá-lo dependia muito de quem mandava, pelo menos até o fim da Segunda Guerra. Assim, tão logo o cristianismo deixou de ser proibido e o papado subiu ao poder, igrejas foram construídas com material retirado das ruínas dos templos romanos, mesmo os que ainda estavam em bom estado de conservação. Rei morto, rei posto. Devolva-se aos pagãos malditos o sofrimento que nos impuseram, diriam. O coliseu, já desativado, por um bom tempo foi considerado mero canteiro de matéria-prima.

Com o Renascimento, a coisa piorou. É fácil encontrar colunas romanas suportando igrejas cristãs, uma verdadeira pilhagem. Os papas e renascentistas conseguiram depredar o que invasores inimigos dos césares não tinham almejado. Depois desse período negro, a coisa melhorou, com as escavações cada vez mais voltadas para preservação e até as intervenção de milionários que compravam as antigas propriedades e as conservavam com cuidado. O único período mais recente que ousou retomar o processo foi o Governo de Il Duce (pra quem não sabe, Mussolini), que quase detonou o que sobrou das ruínas pra pavimentar o seu império fascista.

E é por isso, senhoras e senhores, que vemos tantas ruínas em Roma. Mais do que a ação do tempo, foi a ação (e omissão) do próprio homem que por pouco não apagou os traços da cultura antiga.

Agora, um pequeno sumário sobre os principais governantes da Roma Antiga:

1) A República terminou com Júlio César, "eterno aqui nessa Brasila", que se auto-proclamou ditador e foi assassinado em 44 a.C. por uma conspiração, causando uma disputa ferrenha e duradoura por seu posto, que acabou ocupado por seu herdeiro Otávio Augusto, derrotando o playboyzinho Marco Antônio e sua biatch Cleópatra.

2) Começou aí a era Júlio-Claudiana, de 27 a.C. a 68 d.C. que teve um crescimento acelerado de Roma como centro do Império mais poderoso e crescente do mundo. Otávio manteve a ordem e o crescimento na melhor fase imperial, que não foi atrapalhado nem pela loucura do pervertido Calígula ou do excêntrico Nero;

3) Depois que Nero morreu, veio a era Flaviana, que não fedeu nem cheirou e ficou de 69 a 96 d.C.;

4) Entrou aí Trajano, em 98 d.C. que ganhou várias rodadas de WAR e conquistou geral, aumentando o império e começando a dinastia Antonina, a era dos imperadores intelectuais. Em 117 d.C. entrou Adriano, responsável pela inauguração do Coliseu, e, em 130 d.C., Marco Aurélio. Severo, que entrou em 146 d.C., no meio do seu reinado, fundou a dinastia Severiana (ou seria Severina?)

5) A coisa começou a degringolar com um bando de governantes sem personalidade e a chapa esquentou, quando entrou o general Diocleciano em 284 d.C. e dividiu o império em 4 partes. Entrou Constantino em 272 d.C. e acabou com a graça. Foi a pessoa que mais mudou a religião no mundo depois de Cristo, já que lançou em 313 d.C. o Édito de Milão e liberou geral as religiões, principalmente o Cristianismo, que era clandestino até então.

6) Quando fundou Constantinopla e começou o Império Bizantino, acabou-se o que era doce pro Império Romano, que ainda seria invadido pelos visigodos e cairia de vez em 476 d.C.

Meu segundo dia começou bem cedo. Com a cidade invadida por hordas de turistas bárbaros, chegar cedo aos locais mais disputados era imperioso. O coliseu foi minha primeira parada. Abismado pela degradação imposta e mesmo assim admirando a restauração em curso lento (visível em algumas fotos no meu Flickr), percorri em uma hora suas diversas partes, até com um filminho bem infame, que você pode ver aqui (piadas referenciais não explicadas, vão estudar, seus animais). Hora de encarar a maior tarefa: o Fórum Romano, bem em frente.

Ao entrar, a Basílica Emilia, ao lado direito, de que se pode ver apenas os destroços de paredes e o que sobrou das colunas (só a base de mais de vinte delas). O lado esquerdo mostra o templo de Antoninus e Faustina, que tentaram inutilmente derrubar, construindo-se a Igreja de San Lorenzo de Miranda dentro dele. À frente, a pequena Regia, onde o Pontifex Maximus, ancestral do Papa, tinha seu escritório, também reduzida a alguns restos. Ao lado, mais erodido do que derrubado, o Templo do Divino Júlio, homenagem de Augusto ao finado Julio César, que ali mesmo foi cremado e onde a cada 12/07, dia do seu aniversário, as pessoas colocam flores no local da pira crematória.

Fiz o caminho da esquerda, passando pelo templo de Rômulo (filho do imperador Maxentius, não o fundador de Roma). O cadeado do séc. IV ainda funciona. Mais à frente, as ruínas gigantescas da Basílica de Maxentius e Constantino. Isso porque um começou e foi deposto pelo segundo, que terminou a obra. Sobre o Templo de Venus e Apolo, de Adriano, do qual só sobrou a parede de fundo, visível do Coliseu, foi construída a igreja de Santa Francesca Romana. No corredor ao lado, que sai no coliseu e também tem uma escada para o Monte Palatino, o templo de Júpiter Stator e o imponente Arco de Tito, construído por seu irmão Domiciano.

Voltando pelo corredor que passa a necrópolis (sepulturas), acabei na Casa das Virgens Vestais. As Vestais eram seis ou sete meninas escolhidas em famílias de renome, quando crianças, pra viver de regalias, conservar o Fogo Eterno, uma chama que ficava sempre acesa, e várias outras incumbências dotadas de poder, como perdoar presos e dar decisões importantes. Mas pra isso, tcharan... não podiam dar. Se perdessem a virgindade, eram enterradas vivas, pois o sangue delas era sagrado e não podia ser derrubado. Como elas deveriam servir por 30 anos e a expectativa de vida na época era de 35, não sobrava muito tempo pra tirar o atraso. Diz a lenda que muitas delas conseguiam dar um jeito de trepar pelas suas altas influências. Sabe-se que Calígula, por exemplo, dizia ter visões divinas que denunciavam algumas como não mais virgens, só pra que ele pudesse transar. E, claro, a maioria acabava virando lésbica.

Inclusive, teria sido uma das virgens vestais, conta a lenda, que foi impregnada pelo deus da guerra Marte e deu a luz a Rômulo e Remo, sendo o primeiro o fundador de Roma.

Descrever cada um dos templos é uma tarefa maçante e pouco interessante pra quem não está vendo. Assim, ressalto a importância da Cloaca Maxima, o sistema avançadíssimo de águas e esgotos, para a época; o Senado, em cujos degraus todo mundo acha que Júlio César foi esfaqueado, quando na verdade a conspiração (até tu, Brutus?) aconteceu num teatro perto do Campo Dei Fiori; e o Templo De Saturno, onde acontecia a Saturnalia, bacanal generalizado com putaria para todos os gostos.

Depois dessa jornada, era hora de pegar um arzinho mais fresco, dentro do Museu Capitolini, na praça do Campidoglio, no topo da Via Dei Fori Imperiali. Com uma impressionante coleção de esculturas romanas, entre as quais a estátua de Marco Aurélio, cujo projeto de restauração envolveu Michelangelo, a estátua da loba que teria amamentado Rômulo e seu irmão e a Medusa de Bernini, ainda tinha no subsolo vários epitáfios antigos, um deles até com buraco para as mãos de ladrões de sepulturas e esculturas romanas a rodo espalhadas pelos museus (são dois ligados pela passagem subterrânea). Para quem não sabe porra nenhuma de latim, qualquer coisa terminada em "i", geralmente, é plural. Foro = fori, panino = panini, biglietto = biglietti. Daí já atentar para o fato de que ao pedir um "panini" em qualquer lugar do mundo, você é analfabeto.

Descendo pelo antigo Teatro Marcello e passando pelos restos do Portico D'Ottavia, entro no antigo Gueto Judeu, onde tomo o melhor sorvete de pistache da minha vida. Vejo a Isola Tiberina, a ilhazinha ligada a Roma pela Ponte Fabrizio, a mais antiga da cidade. Diz a lenda que a ilha surgiu quando o corpo sem vida do tirano Tarquinius foi jogado pelos romanos irados no Rio Tibre e um monte de sujeira e folhagens acumulou-se nele, formando a ilha. Curiosamente, ela é associada a curas milagrosas. Trivia à parte, prossigo meu caminho em direção à praça da Bocca Della Veritá. Quem viu o clássico "A Princesa e o Plebeu", com Audrey Hepburn, deve se lembrar da cena dentro da Igreja Santa Maria in Cosmedin, onde ela desafia Cary Grant a colocar a mão dentro da Bocca Della Veritá, uma imagem de pedra na entrada da igreja com um buraco onde, desde os tempos medievais, acreditava-se que um mentiroso que enfiasse a mão lá dentro teria a mesma arrancada a mordida. Não tirei a clássica foto, havia uma fila imensa, mas dentro da igreja estava algo bem mais interessante: os ossos de São Valentim, o mesmo do Dia Dos Namorados.

Foi um dia propício, aliás, para ossos...

Saindo da igreja, com o sol ainda a pino, enchi a garrafinha na fonte da praça (sempre gelada) e atravessei o Circo Massimo, antigo palco das corridas de bigas, hoje um imenso descampado, um Autorama abandonado. Próxima parada: Monte Palatino.

NOTA DO TRADUTOR: Meu guia é em inglês e aqui é tudo é em italiano, logo, a tradução dos lugares, ruas, monumentos e pessoas é puramente palpite, se eu estiver errado, me corrijam, ou calem a boca.

Logo, de volta ao Monte Palatino. Foi o primeiro assentamento de Roma, onde viveram os etruscos, que desciam a colina para enterrar seus mortos no vale encharcado. Lá teria vivido Rômulo, cujas ruínas de casa determinam a idade do surgimento da cidade. Logo depois, virou espécie de moradia dos ricos romanos, com uma vista privilegiada do Fórum. Encontrei vários brasileiros na fila pra entrar na casa de Augusto, onde alguns afrescos na parede permaneciam quase intactos após milhares de anos.

A tarde avançava e o sol continuava firme e forte. A noite aqui chega por volta das 21h. Dava tempo de ver mais coisas ainda, tudo ainda no afã de inundar meu cérebro de informação. Seguindo a rua por trás do Coliseu, passamos pela Igreja de San Clemente. O mais curioso nela é que, em seu subterrâneo, escavações estão sendo realizadas e traços de um antigo culto pagão foram descobertos. Um altar sagrado, o Mithraeum, onde sacrifícios era realizados, inclusive de touros, pelo que li. Curioso estar sendo preservado por uma instituição cristã. Pena que não podia tirar fotos. E o título que li de "coolest church on Rome" não é à toa: a área climatizada produzia um frio dos infernos (sim, o inferno pra mim é frio) e adicionava ao clima sinistro, já criado pelo silêncio lá embaixo e o barulho de água correndo. Calafrio. Saí logo dali.

Seguindo pela mesma rua, fui parar na Igreja de San Giovanni Luterano, onde Pedro teria tido uma visão de Cristo, que lhe disse tê-lo abandonado, razão pela qual Pedro voltou para ter seu próprio martírio e ser crucificado de ponta-cabeça. Os crânios de São Pedro e São Paulo repousam numa estrutura elevada em cima do altar. Logo em frente à igreja, na praça, a Escadaria Santa, onde Jesus teria subido de joelhos para confrontar Pôncio Pilatus. A mesma escadaria serviu para Martinho Lutero desistir do catolicismo, uma vez que também subiu de joelhos, prática comum a peregrinos, e não sentiu nenhuma epifania. Que besta.

Perto dali, aquela que seria a igreja mais importante que eu veria em termos de relíquias (por relíquias, entenda-se "ossos de gente santa") ou então o maior engodo de todos: Santa Croce In Gerusalemme. Senhoras e senhores, a Igreja se gaba em ter pregos e pedaços da cruz de Jesus, uma boa parte da cruz do ladrão bom, o dedo de São Tomás (ver para crer?) que tocou os ferimentos de Jesus, parte da placa que teria apresentado Jesus ao povo com a coroa de espinhos, entre outras coisas. A autenticidade disso tudo é contestada, mas... fé é isso aí, não é? Como não acredito nessas coisas todas, pra mim é tudo antropologicamente muito interessante. Nada parecido com a mulher que caiu de joelhos ao meu lado ao ver as relíquias. Que, assim como todas as relíquias que vi, estavam em relicários luxuosos feitos de ouro, com detalhes encravados, enquanto o que interessava mesmo geralmente era um pequeno osso no meio de uma cúpula de vidro no meio.

O que tinha mesmo de bizarro nessa igreja era a ala toda dedicada a Nennolina, uma menina que fazia parte da paróquia nos anos 30 e sofreu de uma doença tão bizarra quanto incurável. Escreveu mais de 160 cartas ao menino Jesus descrevendo seu sofrimento, sua fé e pedindo por conforto a sua família e foi reconhecida até pelo Papa como heroina.

Dia cheio, não? pois é, depois disso tudo, paguei 8 euros numa garrafa de água de iceberg do Canadá na estação Termini. Caro, sei, mas quantas vezes na vida você vai beber água de iceberg? Fui dormir. Mais no dia seguinte.

Ciao!

terça-feira, agosto 05, 2008

I'M NOT WORTHY

Pois é, eu bem queria seguir o que manda meu TOC e digitar dia-a-dia da minha estada aqui, mas nao sei como isso vai ser possivel. O problema é que eu quero explicar detalhadamente a historia de cada coisa que vejo, como se fosse coerente mostrar uma foto, contar os detalhes e esquecer que nao é a mesma coisa se nao visto pessoalmente. Seria mais ou menos como descrever uma trepada para um virgem. Nao da. Por um lado, aqui em Florença, terra de Donatello, Michelangelo, Rafael, enfim, todas as Tartarugas Ninjas, a overdose de informaçao é premente, nao sei mais o quanto meu cérebro aguenta. é muita beleza junta, fico até constrangido de falar algo ou triste porque nao posso compartilhar pessoalmente isso com alguém, mesmo que fosse um mero conhecido, pra apontar uma obra como o Nascimento da Venus, de Botticelli, e dizer "Cara, ta vendo isso? Que foda!"

A sensaçao que tenho é a mesma de quando assisti ao primeiro filme com John Holmes: de que eu era pequeno, muito pequeno. é mais ou menos como as coisas sao aqui na Italia. Tudo é grande, imponente, parece querer afirmar o quao infimos somos nos diante da Historia. Vou fazer o que puder, logo, para aumentar as descriçoes das fotos no meu Flickr, mas manter aqui o mais sucinto possivel. Com paciencia de voces, afinal, o wi-fi dos albergues em que fico nao suporta o upload tao rapido. Sao mais de 100 fotos tiradas por dia.

Estou tentando virar local. Nao tomo capuccino depois das 11 da manha, bebo sempre um aperitivo ultra-gelado ao fim da tarde (de preferencia Aperol Soda, viciei nessa merda, bebida predileta pra quem acha Campari muito amargo), ja aprendi com perfeiçao o sotaque da frase " mi dispiacce, non parlo italiano" e quase nao estranho mais quando alguem me diz "pois nao" ou "nao ha de que". Antes, tinha vontade de devolver: "prego é a mae!!". Perdi a conta de quanto vinho ja bebi, tirei foto ate das comidas do mercado central e hoje, quem diria, andei de bicicleta pelas ruas.

Por essas e outras experiencias indescritiveis e inenarraveis, meu texto vai ser alterado amanha para o minimo de narraçao. Quero que voces vejam as fotos.

E as melhores frases eu acabei de ouvir no jantar, de um senhor de seus 65 anos: "Nao se preocupe em nao guardar tudo. Se voce esquecer, cada vez sera sempre a primeira. Quer coisa melhor do que se surpreender com a Italia o tempo todo?"

Nao, nao quero.

quarta-feira, julho 30, 2008

QUEM TEM BOCA...

Pois bem, por uma lei besta anti-terrorismo, os cybercafés e lan houses nao deixam acessar o HD ou pendrives, razao pela qual so posso fazer upload das minhas fotos quando chegar em Napoli, onde o albergue tem wi-fi. Até la, vai tudo ficar incompleto. Ah, sim, tudo bem? Pra quem nao sabe, estou em Roma, regiao da Lazio, no inicio de mais uma das minhas jornadas anuais em busca de aventuras e festivais. Meu terceiro dia aqui, sob um calor de rachar, de uns 37 graus, sol fortissimo, aguardando o horario de reabertura de tres igrejas aqui perto (ja sao 15h, 5 a mais do que no Brasil) e ja andei por todos os lugares possiveis, aprendendo mais Historia antiga em dois dias e meio do que em mais de 20 anos. Posso dizer, enfaticamente, que fica pau a pau com Paris como melhor cidade historica do mundo. Pau a pau, sim, qual o problema? A Roma Antiga era toda bissexual. E os franceses...

Esse texto vai sem revisao, afinal o tempo pra se gastar na Internet é curto. Ja afirmo logo que 4 dias e meio é muito pouco pra se ver tudo, sair a noite e descansar. Mau planejamento. Uma semana teria sido o ideal. Isso porque nao estou exatamente saindo a noite pra poder aproveitar o dia e ainda nem peguei a fila imensa do Vaticano, o que farei amanha bem cedinho. E, como todos os guias dizem "dress accordingly", que melhor traje entao do que o manto sagrado? Aguardem.

Bom, como começar? A viagem nao foi la essas coisas. Tive que pegar o voo da TAM às 6:15 da manha pra Cumbica, onde acabei ficando no hotel do aeroporto (estilo japones, um cubiculo com beliche) pra dormir por 3 horas. Em SP, a surpresa: passaram mal no aviao e vomitaram na minha poltrona. Lindo. Colocaram-me em outra, ao lado da porta de emergencia. Otimo espaço para os pés, mas ao lado de um gordinho tenso que nao parava de se mexer. Mas dormi bem pouco. E ao chegar em Fiumicino, uma cena bizarra dentro do aviao: um menino correndo em direçao ao banheiro, vomitando no saco, mas deixando escapar pelas bordas. Foi a Guerra do "Gorfo" aquele voo. Fora o jet-lag, pelo menos cheguei cedo ao hotel, que é bem perto da estaçao Termini.

Banho tomado, la vou eu pegar o metro e dar uma volta na cidade antiga: Coliseu, Foro Imperiali, Foro Romano, Piazza Veneza, Monumento a Vittorio Emanuelle... Nao entrei em nenhum, o que acabei fazendo no dia seguinte, mas so de contemplar aquilo, quase chorei. Sério. Um sentimento que viria a se confirmar ontem foi o de fazer uma vasectomia ou rezar pra ficar estéril. Jamais vou deixar nada atrapalhar o meu destino de conhecer o mundo inteiro e me afogar em conhecimento. Meu avo ficaria orgulhoso.

Dali voltei ao hotel pra almoçar o melhor spaghetti alla matriciana da minha vida e dormir umas duas horas. Comecei a andar entao. Termas de Diocleciano (fechadas na segunda), Piazza della Republica, Via Delle Quattro Fontane (com quatro fontes, duh), Palazzo Barberini e terminando (apos muitas subidas e descidas) na famosa Piazza di Spagna, com a escadaria e a fonte la embaixo, ao lado da casa de Keats, hoje museu Keats-Shelley. Ali a constataçao de que agua em Roma era de graça, espalhada por centenas de pequenas fontes e hidrantes pela cidade e completamente potavel. Nao passo meia hora sem entornar a agua ja morna da garrafinha e encher de novo. Pior que sai quase gelada. Genial. Louve-se os romanos pelos sistemas de aguas, esgotos e aquedutos.

Pela Via Condotti, com todas as marcas chiques, como Fendi, Gucci, etc., chega-se a Via Del Corso, onde os onibus pedem licença para os pedestres. E apesar de estar com meu cartao de turista e validar a passagem em cada viagem, pra evitar uma multa sinistra (bizarra), muita gente anda de graça, arriscando ser pego por uma fiscalizaçao aparentemente inexistente. Saida pela sinistra (esquerda). Piazza Del Popolo, imponente, compras de DVD (logico) e descida em direçao a Fontana Di Trevi, passando antes pelo Montecitorio e pelo Templo de Adriano, conservado por ter se integrado a uma igreja construida depois. O primeiro de muitos gelattos adquiridos nestes tres dias foi tomado com uma expressao de prazer, a mesma que eu repetiria ao provar pela primeira vez as massas al dente, os paninis, os capuccinos e as pizzas. Foi mal, França, mas a cozinha italiana é a melhor do Universo. Um orgasmo.

A Fontana é impressionante, mas deve ser fantastica à noite. A conferir. E com menos turistas, por favor. Joguei as duas moedinhas, pra me apaixonar aqui mesmo, quem sabe, e segui caminho. Uma passada no Pantheon, ja fechado (entrei so hoje), quase escurecendo (umas 8 e pouco da noite) e fui ao Largo di Torre Argentina, onde coincidentemente me encontro agora. Mais ruinas antigas e uma peculiaridade: o lugar é um antro de gatos. Centenas deles. Ha um abrigo onde cuidam, castram e esterilizam os bichanos, com doaçoes aceitas, obrigado. Acariciei um que se aproximou (only pussy I'll ever stroke here?), dei um pulo na suposta agitaçao noturna do Campo Dei Fiori, fui jantar no Insalatta Ricca, desfiando meu "italigues" imperfeito (capisce?) e de la fui apagar, quase 23h, como se adivinhando a maratona de ontem.

Amanha, ossos de santos, reliquias de Jesus, ruinas romanas e vidros quebrados.

Ciao!
UPDATE: Consegui um internet point Tabajara e aqui faço qualquer coisa, logo, subi as fotos do primeiro dia aqui. As descriçoes e detalhes eu coloco depois. Arrivederci!!

terça-feira, julho 08, 2008

INTERLÚDIO - PARTE II

Sim, senhores e senhoras, parece incrível, mas ainda aguardo a devolução dos meus guias de viagem de Buenos Aires. Aproveito o marasmo pra fazer três anúncios:

1) No ar minha nova mixtape, com o que venho ouvindo no momento;

2) Em breve, novo texto no ar no Bacana;

3) Aguardem por um novo blog além deste aqui.

domingo, junho 15, 2008

1 CASAMENTO E NENHUM FUNERAL

A primeira vez que eu tomei noção da existência da Alessandra, ela estava atrás das pernas do pai. Eu, atrás da minha mãe. A gente devia ter uns 5 anos e aparentemente já estudávamos juntos e nossos pais se conheciam de reuniões na escola. Foi um encontro casual na saída das Lojas Americanas de Campo Grande. Ela já era uma graça, morena, bochechuda, de olho verde. Mas o que entendia eu de meninas aos 5 anos?

Aos 10 anos, já na mesma turma, ela era a fim de mim. Eu, o autista (lembram????), jamais poderia me interessar por aquela menina, como por nenhuma outra. 10 anos!!! Nem me lembro se eu já tinha ereções nesta época. A única cena desse evento (ela a fim de mim) que registro na minha memória era ela de shortinho jeans MUITO curto, reclamando pra Nanda (outra amiga) porque eu não gostava dela, isso na hora do ensaio de alguma coisa (festa do folclore, talvez?). Límpido e cristalino.

Pouco tempo depois, ela começou a namorar o meu melhor amigo na época e durante muito tempo. Muito tempo de namoro dos dois, com vais-e-vens (ou seria "vão-e-vêm"?), e muito tempo que ele permaneceu meu melhor amigo. Eu não podia vislumbrá-la se casando com outra pessoa.

O tempo passa, as pessoas mudam. Alessandra continua a mesma. Por sermos os mais novos da turma (ela de 7 de agosto, eu de 19), tínhamos uma afinidade de leoninos que já sabíamos não ser possível de nos separar como amigos. Eu sempre achei que fosse vê-la a cada Natal, por mais distante que vivamos. Ela ainda acredita que esse blog aqui vai virar um livro.

Uma vez, eu a vi falar sobre o Tárique. Pra mim, era só mais um. Depois, percebi que não. Hoje, é o marido dela, neste momento. Tá eu sei, falei exatamente isso pra um cameraman (tô sendo bonzinho) na festa hoje, após ter ingerido diversas substâncias alcóolicas não-imiscíveis. Mas escrever é diferente. Escrever ainda com o jet-lag etílico das mesma substâncias, porque se um dia isto aqui realmente for publicado, como bem a Alessandra quer, o que eu penso da noite do casamento da minha melhor amiga de infância vai ser eternizado em alguma editora.

De dentro da minha alma de misantropo, não-quero-ser-pai, juro que me emocionei na igreja, 23 minutos depois de fazer uma expressão blasé pra mim mesmo e pensar que casamento é tudo igual, 12 minutos depois de mandar sms pra uma amiga dizendo que o padre falava muita merda, 8 minutos depois do microfone falhar e ninguém mais ouvir nada, 5 minutos depois de ter levantado/sentado pela terceira vez, 10 segundos depois de eu ver minha melhor amiga de infância deixar falhar a voz ao repetir as palavras pro noivo.

Ela merece ser feliz, ele acertou na loteria e talvez ainda não saiba, e eu posso continuar a achar o mundo ainda muito falso, mas talvez hoje tenha sido um pouco mais verdadeiro do que o uísque no meu copo.

Te amo, Alê. Parabéns.
Site  Meter Clicky Web Analytics